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Paulo Ferreira - Do sofá até à Maratona do Porto

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Paulo Ferreira - Do sofá até à Maratona do Porto

Novembro 11, 2014 / 1471

Paulo Ferreira - Do sofá até à Maratona do Porto

O Paulo merece os nossos parabéns. Aqui deixou o seu testemunho:

Eu, o sofá, os outros e a Maratona do Porto

Pedem-me para escrever e antes que falhe a memória, vou contar a história. Se correr custa, o que vão ler, já vão ver… Paulo Ferreira, 37 anos, eis-me aqui com a mesma idade que tinha o José Mário Branco quando escreveu o “FMI”! 
Comecei em Maio deste ano a correr com o objectivo de um mês e pouco depois participar nos 10 km da “Mini-maratona e Caminhada D. Nuno Álvares Pereira”, corria pouco, 3 ou 4 km, depois um pouco mais. Acontece que também fumava (não interessa o quanto!!!) e, como qualquer fumador, fuma-se por duas razões, por tudo e por nada! Ora, correr implica cansaço e satisfação, duas boas razões para fumar depois de correr. Este comportamento começou a suscitar-me dúvidas e até uma certa repulsa. Fazia algum sentido correr para melhorar o estado de saúde e fumar? Não! Marquei um dia, 23 de Maio, publicitei e deixei! Resolvida a questão, voltemos à corrida. Continuei a correr quase diariamente, pois tinha dois objectivos, conseguir cumprir os 10 km e corrê-los em menos de 50 minutos! Como corria “em casa”, não queria fazer figura de parvo e a 18 de Junho, 4 dias antes da prova, resolvi correr o percurso da mesma, só para testar. Correu bem, menos de 49 minutos! O dia da prova chegou e aqueles noventa e tal quilos voaram pelo alcatrão, o tempo é ainda o melhor que tenho aos 10 km!
Era um dia para comemorar, entreguei-me aos derivados da cevada com os amigos. Contudo, algo me dizia que não iria ficar por ali, precisava de um novo desafio. Procurei um evento que ocorresse brevemente, a escolha recaiu sobre a “3ª Corrida Bosh Solidária”, em Aveiro. A 29 de Junho lá fui eu até Aveiro. Corri os 10 km em 47 minutos, desta vez num percurso bem mais difícil, com atletas que competiam por tempos e marcas e isso também me motivou. Por lá encontrei a Sara Pinho, o runner Ribau Esteves, edil de Aveiro e a mentora do projecto Corrida Peregrina, que me falou no João Casal, de quem eu já tinha ouvido falar, pois este andava correr a Volta a Portugal Solidária pelo País. Se eu já tinha em mente acompanhá-lo na etapa Vila Velha de Rodão-Castelo Branco, nesse dia decidi-me, iria correr quase 30 km um mês depois! A Rádio Condestável veiculou esse meu compromisso, era público, estava decidido, iria começar a alongar os treinos acima dos 10 km. Nos dias a seguir a Aveiro corri alguns km por dia e a 2 de Julho, ao fim da tarde inspirei e parti para uma corrida de 25,5 km, que enormidade, que gozo! É ainda o melhor tempo que registo na meia maratona. Continuei a treinar bem, mas a 17 desse mês corri 16 km e no fim apresentei queixas num pé, tive que abrandar, voltando só a correr no dia 28, ainda com dores. A 1 de Agosto era o grande dia, iria participar num projecto fabuloso, com um atleta que corria por solidariedade quase 3000 km. Nem o conhecia, mas já o admirava e iria acompanhá-lo em menos de 30 km. Eram 7 da manhã, apresento-me ao João Casal, aos membros de apoio e à equipa de vila velha (Luís Quinta-Nova, Pedro Coelho, Marco lívio Ultarunner, Jorge Duque, Mário Pissarra). Bebemos café e partimos. Corremos, falámos, chegámos! Escusado será dizer que o meu pé, nos km finais já não estava em condições… mas em termos pessoais tinha corrido a maior distância seguida. Cumprimos, descomprimimos do esforço e fomos repôr líquidos. É aqui, à mesa de um café, que um dos membros da equipa me propõe um dia correr uma maratona, alvitrou a do Porto. Era altura de voltar a casa, voltei, trazia o corpo moído e uma palavra nova na cabeça: maratona!
O mês de Agosto foi pouco produtivo em treinos, o pé exigia mais descanso, ainda assim, com sacrifício ainda fiz uns km. Decidi que havia de assumir novos compromissos, novas provas para me motivar. Entretanto lanço a página “Paulo Ferreira-do Sofá até à Maratona”, era o subconsciente a assumir compromissos pelo corpo, sem lhe perguntar. A 30 de Agosto participo no “Grande Prémio Vieirense”, em Vieira de Leiria. Inspirado pelos ares do mar, corri rápido os 8,5 km, 39 minutos, nada mal para um coxo! Gostei da experiência e dos ritmos. Conheci os vencedores da prova, Hugo Pinto e Clarisse Cruz, atleta Olímpica (que entretanto se mudaram para o Boavista). Na semana seguinte, corri em Tagarro. Tive conhecimento da realização desta mítica prova, pois esta não se realizava há 16 anos e iria homenagear um ex-vencedor, Paulo Guerra. Para quem não conhece, Paulo Guerra, apesar de mais velho que eu, correu numa altura em que eu gostava de acompanhar o Atletismo, evidenciou-se no Corta-mato, ombreava com a “armada africana”, o único europeu a fazê-lo, era um super-campeão! Tive que participar. No aquecimento nem conseguia colocar o pé no chão… as dores haveriam de passar, nesse dia corremos juntos, a prova foi ganha pelo também sensacional Alberto Chaíça. No fim o Paulo Guerra acedeu a tirar uma foto com o coxo, cumpri um sonho!
Se o objectivo era a maratona, continuei a treinar em Setembro, parando quando não era oportuno. O próximo objectivo era correr uma prova mais longa, a Meia-maratona de Coimbra. Corri-a a 28 de Setembro, os primeiros 10 km correram bem, a outra metade, nem tanto, as dores voltaram, mas acabei! Tirei lições de todas as provas, esta ensinou-me a sofrer. Contudo nas provas de estrada, lá estão os anónimos como eu e os campeões, Rui Lopes, Baltazar Sousa, Anália Rosa e muitos outros.
Chegou o Outubro e só a 5 faço o primeiro treino. O segundo foi a 11, tinha 2 ou 3 km corridos e… fui mordido por um pastor alemão, estão aí as fotos da mordedura. O braço estava uma lástima! De novo no estaleiro… eis que já estava desanimado com tanta paragem e aparato! Contudo sou visitado pela equipa do JN Running e concedo-lhes uma entrevista, em boa hora vieram. Entretanto uma semana depois começo de novo a correr, corro a II Corrida do Comendador Joaquim Morão (onde me cruzo e registo momento com Carlos Lopes e revejo o pedro coelho que me tem incentivado muito) e a I Corrida Solidária Celtejo, as duas correram bem, os participantes ajudam, invadi o território de fantásticos corredores do CB Running, que haveriam de fazer história no Porto. Continuo a treinar, desta vez sem dores, faço o treino longo de 24, 5 km, corro nessa semana cerca de 81 km. Está feita a preparação possível. Entretanto é publicada a reportagem no JN Running e as reacções foram bastante agradáveis, comecei a ganhar confiança!
Chegou o dia da véspera da Maratona. Eu e o Luís quinta nova partimos da Sertã, chegámos ao Porto, jogava-se no Dragão, o trânsito suportava-se. Tratámos das questões de logística do dorsal dele, com a prestimosa colaboração do Pedro Costa (que me foi dando valiosos conselhos para a Maratona). A alimentação foi a tradicional “francesinha” junto à Alfândega do Porto. A vista do Douro de noite era bonita, mas de dia ainda haveria de ser melhor. Era altura de dormir, pois no outro dia iria correr ligeiro nas margens do Douro, sentia-me com energia física, química, quântica e a mais importante: a motivação. Era para dormir, não dormi, não vim ao Porto para dormir, era hora de levantar, 6 da manhã, era altura de tomar o pequeno-almoço, não tomei. Estava equipado, fomos de carro até a zona de chegada, já lá estávamos às sete, voltámos de autocarro até à zona de partida. Eram já aos milhares aqueles que por ali circulavam.
Esse dia além de ser especial para mim em termos pessoais, eram também o dia em que ia conhecer a equipa pela qual iria correr. Há meses que manifestei interesse em aderir à causa: a equipa EM Força Corremos com a Esclerose Múltipla. Combinado o ponto de encontro, conheci o resto dos colegas, o Pedro Godinho que me tratou de toda a logística da Prova, inclusive de uma das peças mais importantes, a camisola. No meio de todos estava o Alexandre Dias, portador da doença, atleta que iria correr a maratona divulgando a causa e querendo dizer que é possível lutar e não baixar os braços, e é. Senti-me pequeno! Mas nesse dia correria com ele! Tirámos as fotos da praxe e aí estão elas. 
Eram quase nove, fui fazer um aquecimento junto ao Palácio de Cristal, estava na hora! Havia milhares de cabeças, chapéus, gente vestida de todas as cores, com os mais diversos adereços de running, balões com os tempos a que corriam cada segmento do pelotão, drones, fotógrafos, vida! Estavam ali milhares mas também os campeões Ricardo Ribas e Rui Pedro Silva e um excelente corredor do Boavista, Baltazar Sousa. Dado o tiro de partida, lá começaram os pezinhos a querer mexer-se, mas durante quase 3 minutos pouco se mexeram. Mas lá comecei a correr, lento como se quer, a tentar regrar o ritmo a 6,23 por km, pois sabia que nunca conseguiria acabar a prova com um ritmo alto. Chegou o abastecimento dos 5 km e não o fiz, segui. Ia-mos na direcção de Matosinhos, rumo ao km 10. Seguia sem mostrar sinais de cansaço, só as articulações dos dedos deram sinal de dor (e eu sabia porquê). Por volta dos 12 km, lá estava o João Casal numa berma, eu e Luís gritámos, ele veio e perguntou se estava tudo bem, estava. O João foi uma inspiração, foi importante esse fugaz contacto. Por volta dos 13/14 km tenho sempre uma quebra, consegui passar, o objectivo era agora chegar aos 21, sempre a gerir o esforço. A hidratação estava a ser correcta. Cheguei à meia-maratona, começo a ver Gaia, já havia atletas do outro lado e a voltar… o objectivo era agora km 25. Por volta dessa altura, a prova ia com 1 hora e 56 minutos, começaram a passar em sentido contrário os primeiros atletas, quase todos eles africanos, iam espaçados, com um ritmo forte, alguns lugares atrás vinha Rui Pedro Silva (que acabaria em 2º, imagino a prova que que fez para conquistar esse lugar). Do outro lado da margem viam-se cores em movimento, eram corredores… era ali que iria chegar, tive que imaginar que eram turistas, podia lá ser, já a voltar?! Depois deixei de imaginar porque o speaker referia o número do km a que iam, cerca de 30 km… ora se para eles faltavam 12 para acabar, para mim… Continuei, haveria que chegar aos 25, já do outro lado. Depois deste km passei pelo Alexandre, gritei, ele agradeceu e retribuiu! Durante toda a prova os elementos da equipa, muitos sem se conhecerem, foram dando incentivo uns aos outros. Uns metros mais à frente fui reconhecido pela jornalista do JN Running Ivete Carneiro que me incentivou. Ainda neste troço da prova o André Nunes do CB Running reconheceu-me e gritou “Castelo Branco!!!!”, não reagi, ia concentradíssimo! Por esta altura estava a aproximar-me do máximo que tinha corrido, sabia o que o meu corpo iria passar, mas eu queria passar dessa barreira. Em todos os abastecimentos recusei sempre os alimentos sólidos, se quisesse comer ia… a um restaurante! Mas por volta do km 28 tive que tirar uma barra de “Mars” do bolso, que bem que soube! A Afurada ficou para trás, os meus olhos batiam no Douro, que durante muito tempo haveria de ser o meu Guardião diurno, as gaivotas chamavam-me a atenção e eu olhei-as, sempre que pude, já não eram só as pernas que corriam…
Arranquei rumo ao trigésimo, consegui passar. Chegou o abastecimento, água recolhida. Nesse momento andavam a varrer o lixo para um monte, corri na direcção deste, depositei neste a garrafa fazia, estava lúcido. Corri mais e mais, passei a ponte, o túnel, felizmente vieram as subidas que é onde me dou melhor, ganhei ânimo. Mas do km 33 ao 37 chegou a maior provação, já éramos os mesmos, ora uns à frente, ora outros, alguns iam tombando, os músculos começavam a dar de si, os meus também, resisti. Tive tempo para pensar na fisiologia da digestão, ingeri água para dissolver o “Mars” (dopping de marrões)! Queria o 38 e ele chegou. Sempre que arrancava, o ritmo mantinha-se, portanto sabia que que se gerisse iria acabar. Fiz um esforço, o tempo começou a arrefecer, escureceu, começou a trovejar, aparecerem os primeiros pingos. Um dos corredores disse “ainda vamos apanhar chuva”, disse-o com receio, eu respondi “e muita!”, estava lúcido. Até que chegou o km… 40! Aí sem que eu consiga explicar, já debaixo de chuva torrencial, corri, corri, a subir, a subir, e corri mais, muito rápido, não sei como! Continuei, passei todos os atletas ao alcance da vista! Cheguei ao 41 muito rápido. Já na Avenida da Boavista, debaixo de uma árvore, oiço o Luís aos gritos de incentivo “Falta pouco, é já ali!”, juntando-se a mim a correr, corremos uns bons metros os dois. Vou direito à placa dos 42 km, falta pouco, acelero mais, todo encharcado, foram os km mais rápidos (cerca de 10 minutos a fazer os dois), faltava aquela curva, a meta estava perto, prossegui. Precisamente à curva, dou de caras com uma senhora virada para mim, reconheço-a, é Aurora Cunha, aperto-lhe a mão, e pergunto “É a Aurora Cunha, não é?”, ela responde “Sou sim!”, pausa, vê que estou bem e grita: “Vamos innnborraaa!” e eu fui, olhei o pórtico e corri, vi o tempo e passei! Já está! Nem vi as medalhas, não quis abrigo durante um bom tempo, recolhi o kit de finischer e fui encontrado pelo Pedro Godinho que me deu os parabéns e disse que ainda me tinha tirado umas fotos. Ainda tirei uma foto com a campeã Aurora Cunha, ela ajeita-me a medalha, o telemóvel de tão molhado que estava não registou. Mas aquele dia está bem registado… na memória, na minha, na da história, nessa que diz que Carlos Lopes ganhou o Ouro Olímpico na Maratona há 30 anos, tinha eu 7 anos, (30+7=37), Paulo Ferreira, 37 anos, eis-me aqui com a mesma idade que tinha o José Mário Branco quando escreveu o “FMI”. Tinha acabado de correr a minha primeira Maratona, se escrevo a primeira é porque irei perseguir a segunda!
Era tempo de voltar ao carro, mudar de roupa, comer, recuperar. O destino foi o centro comercial junto ao Estádio do Dragão. Fui à casa-de-banho com a tralha. Arrastava-me. A funcionária da limpeza vê-me e, sem falar indica-me a casa de banho para pessoas com deficiência… eu digo, “hoje posso ser considerado um”, ela responde, “Se quiser pode usar a outra.”, mas eu não usei! Posto isto, obrigado todos, especialmente à minha família pelo tempo lhes roubei e por não me internarem!!!


Parabéns Paulo!!!